quarta-feira, 19 de março de 2014

DIA DE QUEM?


Desculpem-me se hoje estou mais melancólica, lamechas, triste.
Hoje é o primeiro Dia do Pai em que o meu não está presente. 
Hoje faz 1 ano que partiu. Logo hoje. 

Daqui por uns anos talvez consiga pensar neste dia com mais agrado, mas hoje... este ano, não consigo.
Faz hoje um ano que se foi embora. Amanhã faz um ano em que lhe dei a minha última prenda do Dia do Pai - uma coroa de flores linda, em forma de coração, mas que ele não viu, não agarrou e não guardou.



O meu Pai sempre adorou receber as minhas prendas neste dia. Em miúda eu oferecia-lhe daquelas feitas na escola. Desde a creche que lhas dava. 
Quando se acabaram esses trabalhos manuais, continuei sempre a comemorar com ele este dia. Eu sabia que ele adorava, mesmo quando me dizia: «não era preciso gastares dinheiro com o Pai». Mas eu sempre fiz questão. E ele sempre guardou tudo com muito carinho. 
Num desses dias do Pai, há uns anos, entreguei-lhe uma carta, daquelas onde disse tudo, o quanto gostava dele, coloquei fotos nossas e pedi desculpa pelas vezes que o possa ter desiludido. A essa carta ele nunca me respondeu, mas conhecendo-o como conheço, sei que as minhas palavras lhe ficaram para sempre. E que de uma forma ou de outra ele gostou daquela carta que também guardou.


O meu Pai também gostava de ler e de escrever e escrevia muito bem. Tal como eu queria ser jornalista, mas em vez disso seguiu a carreira militar. Mesmo assim estava em telecomunicações, que não é a mesma coisa, mas é outra forma de comunicar. Sabia código Morse e todos os outros códigos utilizados em telecomunicações. 

Eu sou como o meu Pai, sou melhor a escrever. Quando tenho algo importante a dizer, seja bom ou seja mau, prefiro escrever. Assim não corro o risco de dizer palavras que não queria dizer, porque posso pensar melhor e rever o que escrevi para ter a certeza de que era aquilo que eu queria manifestar àquela pessoa. Não sei porquê, somos assim.

As suas primeiras palavras assim que me via eram sempre as mesmas: «Estás bem?», seguido de... «precisas de alguma coisa? Vê lá, não quero que passes mal. Eu gosto muito de ti»
Muitas vezes lhe dizia que estava tudo bem, mesmo não estando. Para quê entristecê-lo?

O meu Pai dizia-me muitas vezes «O Pai gosta muito de ti, nunca duvides». 

Enquanto estou a escrever isto, as lágrimas escorrem-me cara abaixo... mal vejo o que estou a escrever e tenho que parar muitas vezes.


Hoje vou dar-lhe uma prenda, mais uma que o meu Pai não vai ver, não lhe vai tocar, mas eu prefiro pensar que ele ainda está por aí, que me está a ver, que vai observar. Quero acreditar que agora ainda me conhece melhor e que me está a ajudar. Acredito que as coisas boas que me estão a acontecer, problemas que estou a conseguir resolver aos poucos, a força que estou a ter para os enfrentar finalmente, têm a ver com a força que ele me está a dar, esteja lá onde estiver. Mas é assim! Quero pensar que ele me está a ver, que isto não acabou assim. É desta forma que consigo ultrapassar isto. 

A dor de não o ter aqui, é das maiores dores que já tive. E a saudade que aumenta...
Ainda tinha tantas coisas para conversar com ele. Sobre as coisas que estão a acontecer no Mundo, sobre matérias que dei na faculdade que ele iria gostar e tirar-me mais umas dúvidas.
Com o meu Pai eu conseguia ter conversas construtivas, muitas conversas.
Tenho muito orgulho no meu Pai que como qualquer pessoa também fez os seus erros, os seus disparates, mas que os consigo entender muito bem. 
Tenho muito orgulho, porque apesar de não ser licenciado, tinha uma cultura acima da média para quem tinha apenas a 4ª classe.


O meu Pai partiu sem assistir ao final da minha licenciatura, que decidi acabar recentemente. Partiu sem saber que faço artigos para o SOL. Ele, uma pessoa que adorava ler jornais que comprava todos os dias. Era o que fazia logo no inicio de cada dia - ler o jornal. 
Ficaram cá os seus tantos livros, uma verdadeira biblioteca que eu poderia fazer em sua homenagem. Ficou cá a sua colecção de selos - era sócio do clube de filatelia. Tinha uma paixão enorme por selos. Eu nunca fiz caso disso e ele tinha muita pena. Mas ficou muito contente porque ao contrário de mim, o meu filho André adorava estar horas a ver os seus álbuns e a pedir-lhe explicações. 

Para além de outros assuntos, o meu Pai sabia tudo sobre história, geografia e desporto.
A cada trabalho que eu tinha para fazer na escola, podia perguntar-lhe tudo e tirar dúvidas com ele. Até datas de acontecimentos. Sinto falta disso. A cada notícia internacional que eu não entendia, era com ele que as esclarecia e com quem conversava para melhor perceber o que se estava a passar. 


Tinha mil e uma histórias para contar como militar da Marinha Portuguesa... Situações dos países por onde passou, as peripécias, as pessoas, os hábitos, as culturas diferentes. 
Todos os colegas lhe gabavam a sua inteligência, a sua força e apetência para o desporto, a sua coragem em ultrapassar obstáculos, a sua disponibilidade em ajudar os outros. Também todos diziam que ele podia ter ido bem mais longe... mas o meu Pai preferiu aproveitar mais a vida. Fico contente por isso. Partiu, mas viveu tudo intensamente. Teve e fez história. Não foi apenas um homem certinho, com medo de viver. Aproveitou tudo ao máximo. Adoro saber isso. Valeu a pena viver. 


E no fim, cuidou dos meus filhos, foi mais Pai para eles do que aquele que os concebeu.
E é também por isso que não gosto deste dia - o meu Afonso na escola ainda a fazer uma prenda para o pai que não quer saber dele. Houve até um ano em que se recusou a fazer a prenda porque disse que não tinha pai. Ele existe. Mora perto, mas não o vê porque o pai não quer. Foi o meu Pai que fez esse papel nos últimos anos da sua vida, mesmo estando tão doente no fim. Adorava-os, falava com eles como fazia comigo quando eu tinha a mesma idade. Sempre os tratou bem, sempre me tratou bem. 

Já houve quem me perguntasse porque falo tanto no meu Pai. É por isto. É por tudo isto.

E hoje não gosto deste Dia do Pai. 

12 comentários:

  1. :-( também não gosto deste dia, por várias razões. lamento muito a tua perda. beijo.

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  2. Lindo Ana. Um beijinho muito grande para todos. <3

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  3. Sinto o mesmo, no meu caso foi a minha mãe que partiu em Outubro...um vazio. Mas tal como escreveste quero acreditar que ela tá sempre perto a dar-me força para levar esta missão para a frente. Beijinho grande e força....

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    1. É também uma perda enorme, calculo que sim, percebo perfeitamente. Muita força também para ti e um grande beijinho.

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  4. Excelente texto. Percebo a força que dás às palavras, no meu caso era a minha mãe que ocupava esse espaço e partiu em Outubro. Mas como escreveste e concordo, está sempre perto de mim a dar a força para levar esta missão a bom porto. Beijinhos coragem e força para ti e para os teus meninos

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  5. As nozes são sempre para quem não tem dentes. Tantos pais impedidos pelas mães de estarem com os filhos, e outros que não aproveitam os filhos que têm.

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  6. Ora aí está exactamente aquilo que eu também digo Ernesto. Ainda para mais, dois meninos bons alunos e educados (por enquanto), como dizem os meus amigos que esses sim, me dão força e que felizmente gostam muito deles.
    Eu por mim, já desisti de tentar que o pai acompanhe o crescimento dos filhos. Sinceramente cansei-me.

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  7. Adorei Ana , que felicidade a tua de teres tido um paiziho de que tens tão boas memórias.

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    1. Claro que há sempre uma ou outra situação menos boa - acontece com todos, mas as coisas boas dele sobrepõem.se... e as outras ficam para trás!
      Obrigada.

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